quinta-feira, 6 de junho de 2013

A ciência nas fronteiras do humano



No último sábado aconteceu a sessão de junho do Ciência em Foco, que trouxe o documentário de Werner Herzog, O homem urso (Grizzly man - E.U.A., 2005), seguido da fala do professor de Antropologia da UnB, Guilherme Sá. Em sua fala, sugestivamente intitulada Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come, Guilherme abordou as práticas de naturalistas e pesquisadores da vida selvagem para pensar o acesso aos mundos não humanos que elas propiciam, fazendo-nos repensar tanto a ideia de objetividade, ligada à ciência, como também o papel do cientista diante destes encontros e relações. Partindo do filme, a relação estabelecida entre o homem e os ursos, cuja trajetória fora reconstituída por Herzog, forneceu o ponto de partida para uma discussão envolvendo as relações intersubjetivas entre humanos e animais, no contexto da pesquisa científica.

Para tratar das experiências compartilhadas entre humanos e não humanos em geral, Guilherme situou sua palestra na relação entre primatas e primatólogos, com os quais já havia realizado um trabalho de campo para uma pesquisa acadêmica na área de antropologia. Resgatando a experiência da primatóloga Jane Goodall, o professor chamou atenção para a dimensão perceptiva entre humanos e não humanos em um ambiente compartilhado, destacando as formas pelas quais animais e humanos buscam interagir e se fazer compreender uns aos outros. Neste tipo de abordagem, evita-se um olhar voltado a estudos cognitivos, preocupados em investigar de que forma os animais veem o mundo, para se concentrar na investigação das formas pelas quais animais percebem os naturalistas e com eles interagem. Embora estejamos lidando com um ambiente que apresenta diferenças entre corpos, tipos e naturezas, é possível entendê-lo como parte de uma só cultura.

Comentando a relevância, para a antropologia, das abordagens conhecidas como perspectivistas, Guilherme evocou o trabalho de antropólogos brasileiros dedicados aos grupos ameríndios, que incluem em suas abordagens os pontos de vista distintos de todos aqueles que habitam o mundo, sejam humanos ou não humanos. Relacionando algumas de suas elaborações à relação entre naturalistas e animais, Guilherme empreendeu uma analogia entre a relação que estabelecem o caçador e a presa - na perspectiva dos grupos ameríndios - e os naturalistas com os animais que seriam seus sujeitos-objetos. O objetivo seria pensar acerca do nosso próprio universo técnico-científico e suas formas de relação com a natureza. Guilherme nos lembrou do caso da primatóloga Diane Fossey, supostamente assassinada por caçadores de gorilas durante um trabalho de campo. De acordo com Guilherme, seus métodos de interação ativa com os animais, aproximados daqueles que vimos no filme de Herzog, se traduzia, para a comunidade científica, como uma atitude subversiva que desafiava as convenções e a objetividade da ciência. Mesmo assim, ela foi capaz de trazer importantes contribuições que não teriam sido obtidas de outra forma. No entanto, ao se tornar indiferenciada em relação aos animais, ela se tornou igualmente passível de ser caçada.

O exemplo de Fossey, assim como o que fora mostrado no filme, suscita uma reflexão a respeito do papel do cientista. No lugar do distanciamento requerido pela cientificidade, o cientista poderia ser compreendido a partir da figura do xamã, atuando como mediador no diálogo que envolve as diferentes espécies, uma vez que transitam nas dimensões das trocas de perspectivas e de apropriação do outro. Inversamente, a transformação do animal em um objeto purificado, com o qual a ciência poderá lidar, quando subtraído de suas relações e singularidades, pode ser considerada metaforicamente uma espécie de predação científica. A relação entre natureza e cultura poderia ser complexificada, ao se incluir no âmbito da cultura os discursos não apenas ligados à tradição humana, mas aqueles que se configuram na relação entre humanos e não humanos. A palestra se prolongou em um debate onde foram retomados alguns pontos da palestra, e comentadas algumas características e curiosidades acerca do campo conhecido como antropologia da ciência.

Para quem se interessou no tema, fiquem ligados em nossa página do Facebook. Vamos sortear dois exemplares do recém-lançado livro de Guilherme Sá, "No mesmo galho - antropologia de coletivos humanos e animais", cedidos pela editora 7Letras. Nossa próxima sessão acontecerá no dia 6 de julho. Vamos exibir mais um filme de Pier Paolo Pasolini: trata-se, desta vez, de Medeia (Medea - Itália/França/Alemanha Ocidental - 1969), baseado na tragédia de Eurípides. Teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, o filósofo Alexandre Costa, doutor em Filosofia pela UFRJ e pela Universität Osnabrück, Alemanha, e professor do Departamento de Filosofia da UFF. Ele apresentará a palestra Pasolini e a tragédia do homem ocidental. A entrada é franca. Seria ótimo contar com a ajuda de todos na divulgação. Fiquem ligados em nosso blog para maiores informações, e anotem na agenda. Até lá!




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