segunda-feira, 6 de junho de 2011

Medo do futuro, alegrias do instante

No último sábado, Os doze macacos invadiram o Ciência em Foco. A ficção-científica de Terry Gilliam foi o ponto de partida para uma reflexão em torno do medo contemporâneo relacionado aos riscos biológicos e às epidemias, passando pelas viagens no tempo e culminando em uma ética capaz de afirmar o instante. O pesquisador do IOC/Fiocruz Paulo Vasconcellos-Silva, doutor em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) e professor de bioética da UNIRIO, dividiu sua fala em três momentos, iniciando pela camada filmográfica, salientando elementos comuns ao longo da obra de Terry Gilliam, desde a época em que pertencia ao grupo de humor inglês Monty Python. A expressiva visualidade que ele trazia ao grupo é algo que se projeta também em suas obras posteriores. As condições patéticas, os cenários e as alegorias, são utilizadas por Gilliam para fazer ironias políticas com tecnologias de opressão do homem, como em Brazil: o filme (Brazil, 1985), que faz paródia de 1984, romance de George Orwell. Assim como Os doze macacos, o filme também tem como cenário um futuro distópico (ou seja, um futuro que não deu certo, em oposição ao que seria um futuro utópico).

As ironias se estendem a Os doze macacos, no qual a própria máquina do tempo é apresentada com uma tecnologia absurda, análoga a um desenho animado. As cenas que mostram o hospício e os médicos também são análogas às que mostram o presídio e os carcereiros, que partilham das mesmas tecnologias de opressão. Foi no segundo momento de sua fala que Paulo comentou a distopia trazida pelo filme, que se associa ao medo, bastante atual, relacionado ao risco biológico. Após retratar o medo nuclear da época da Guerra Fria e também o medo da invasão extrateterrestre, o cinema se volta aos medos atuais. O surto de influenza recente, a gripe aviária, a gripe suína e toda a comoção em torno do risco de pandemias, são realidades que alimentam o imaginário popular e, de algum modo, são expressos pelo cinema de variadas formas.

No terceiro e último momento de sua fala, Paulo comentou especificamente sobre o tempo, fazendo uma distinção entre o tempo fenomenológico - o tempo da percepção, das nossas experiências - e o tempo linear da física, que é geralmente o que está em evidência na maioria dos filmes de ficção-científica, no qual um viajante poderia trafegar para a frente ou para trás. Os doze macacos apresenta uma tensão destas concepções de tempo, privilegiando ao fim o tempo fenomenológico, cuja temporalidade não se sustenta na linearidade do tempo da física. Apoiando-se nas lições da filosofia perspectivista do alemão Friedrich Nietzsche, Paulo finalmente comentou o intrigante título de sua palestra: como trafegar no tempo sem perder os dentes. O que seria importante em nossa vida, e o que estamos buscando? Um modo de se avaliar uma boa vida pode ser entrevisto a partir do teste da lei do eterno retorno, proposto por Nietzsche. Para passar no teste, teríamos que considerar um verdadeiro prêmio a notícia de que nossa vida irá se repetir eternamente. Deste modo, haveríamos de prestar maior atenção às coisas simples que nos dão alegria, pelas quais passamos, na maioiria das vezes, de forma despercebida. Arrancar os dentes, na lógica do filme, seria uma forma de trapaça, de enganar o instante para corrigir aquilo que já passou.

Foi um sábado repleto de discussões e questionamentos, intensificados pela bela apresentação de slides feita por nosso convidado. Nossa próxima sessão acontece no dia 2 de julho, com a exibição do filme O conto da aia (The handmaid's tale, 1990), de Volker Schlöndorff. Teremos a honra e a alegria de receber, como convidada do mês, a professora de Literatura Inglesa da UERJ, Lucia de La Rocque, que também é pesquisadora do IOC/Fiocruz. Ela é doutora em Ciências Biológicas pela UFRJ e pós-doutora na área de Antropologia, Gênero e Ciência pela UFRGS. Anotem, divulguem, e até lá!

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